Vídeo: Depoimenento Raoni
"Na verdade nada é uma palavra esperando tradução."
Essa frase é parte de uma música dos Engenheiros do Hawaii, “Piano Bar”. Por muito tempo admirei este pequeno trecho ao ponto de esquecer o resto da canção e refletir apenas sobre ele. Me questionava o que seria o nada, que ao mesmo tempo poderia ser tudo. Porque não havia nada no mundo que não possuísse um valor a ponto de ser nada. Um pensamento um tanto quanto utópico de minha parte. Aquela sensação de mundo igualitário onde todos tem o mesmo valor e blá blá blá. Era o meu significado particular àquela frase.
Mas às vezes acontecem coisas que conseguem mudar drasticamente o significado e a percepção de certas coisas. E hoje quando vi o depoimento acima do cacique Raoni, da tribo dos Kayapó, sobre o começo das obras de Belo Monte, consegui achar uma tradução para o “nada” até então vazio.
O nada são aqueles que não possuem riquezas, ou coisas de valor (valor?) e portanto são explorados, escravizados, mortos. Nada são aqueles que lutam por um ideal e perdem suas vidas por isso (alô Código Florestal). Nada são aqueles que todo dia passam despercebidos, invisíveis pela multidão, ignorados pelos mais fortes. Nada é o que estão fazendo com quem sonha, com quem luta. Nada é o valor que as coisas realmente importantes têm hoje em dia. Nada é o que somos, pequenas migalhas espalhadas pela multidão sem voz para barrar injustiças como estas.
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Acabei encontrando um texto que escrevi a um tempo atrás e que acabou se encaixando nesta situação:
"A coisa e o Valor"
Coisas podem ser descartadas, trocadas, compradas, vendidas, manipuladas.
Coisas que possuímos, desejamos, buscamos.
Coisas têm um valor ou não. Esse valor que lhe coube não tem um valor real, apenas valores impressos em notas de real.
Uma coisa não tem sentimento. Uma coisa não sofre, não sente. E se sofre, e se sente, pouco importa, afinal, é apenas uma coisa.
Coisas não são importantes.
...
Mas o que é coisa para um, para outro talvez não.
Existem coisas que não são coisas, mas foram coisificadas.
E quando falo de coisificação, não me vem à cabeça outro exemplo se não a própria vida. Humana ou não, a vida perde seu valor. E que valor? Do real impresso? Não. Esse é o valor do qual foi-se empregado. Mas esse não é o verdadeiro valor.
A carne no açougue, a prostituta na esquina, a mão de obra escrava, a mutilação em nome da beleza. Essa coisificação do ser. É essa e unicamente essa que têm valor. Mas esse tipo de valor a mim não se aplica. O valor que a mim se aplica é a descoisificação do ser.
Postado por Bah_
Postado por Bah_
Muito bom seu texto Bah...
ResponderExcluirDe fato, quando nos deparamos com situações como essa, sentimos quão "nada" somos.
É de uma tristeza imensa olhar para a foto acima e perceber a dor que sente todo um povo, toda uma cultura que tenta sobreviver e resistir, e de repente percebe que "perdeu" a luta, em função do "progresso" que "NÓS" usufruiremos, legitimado por um governo que DIZ QUE NOS REPRESENTA...
Nada são as crianças na cracolândia, nada são as mulheres vítimas de violência, nada são os índios que desde sempre são vítimas da hecatombe em prol do lucro,nada somos nós que pensamos todos os dias em como reverter essa situação...
me lembrou um trecho de uma música:
Paz Verde - Dead Fish
"Enquanto o índio e o povo são massacrados
por todo mundo se vociferou
aquele povo, aquela gente,
pulmão do mundo, tudo que sobrou.
Destroem por maldade os imbecis.
São o próprio diabo de nossa religião, malditos pobres.
Malditos imundos que não sabem lucrar,
pedem dinheiro pra se endividar.
Vamos criar uma instituição,
uma instituição nacional pois o verde queremos salvar.
Paz verde!!
Hipocrisia mundial!!
Seus bancos a cobrar,
meu povo a morrer...
Não me venha com retórica terceiro mundista
seu incompetente miscigenado,
a culpa não é do capital!
O meu império ecologista sabe lucrar,
sabe vender e o que é melhor,
a selva foi internacionalizada.
Índio iludido pensou que fosse melhorar,
todas as bandeiras (do G7) estavam lá!
Mas o que se viu foi mais uma divisão,
índios tiveram que financiar suas ocas em bancos silvestres.
Paz verde!!
Hipocrisia mundial!!
E o FMI?
E os juros a pagar?!
Talvez se não tivéssemos sido colonizados
e se tivessem deixado o índio em paz....
mas depois desta retórica suja, sectária e desumana,
foi você que nos ensinou
a comprar,
a vender
e a lucrar!!
Paz verde!!
Hipocrisia mundial!!
Vocês a consumir
e nós a produzir...."
Amanda.
Sempre ganho muito quando passo por aqui, Ariely. Assim como a Amanda, eu lembrei de uma coisa na leitura do seu texto; vou aqui parafrasear o Subcomandante Marcos pra dizer quem são os "nada":
ResponderExcluir"Nada é gay em São Francisco, negro na África do Sul, asiático na Europa, hispânico em San Isidro, anarquista na Espanha, palestino em Israel, indígena nas ruas de San Cristóbal, roqueiro na cidade universitária, judeu na Alemanha, feminista nos partidos políticos, comunsista no pós-guerra fria, pacifista na Bósnia, artista sem galeria e sem portfólio, dona de casa num sábado à tarde, jornalista nas páginas anteriores do jornal, mulher no metropolitano depois das 22h, camponês sem terra, editor marginal, operário sem trabalho, médico sem consultório, escritor sem livros e sem leitores, INDÍGENA KAYAPÓ NO RIO XINGU e, sobretudo, zapatista no Sudoeste do México. Enfim, NADA é um ser humano qualquer neste mundo. NADA é todas as minorias intoleradas, oprimidas, resistindo, exploradas, dizendo ¡Ya basta! Todas as minorias na hora de falar e maiorias na hora de se calar e agüentar. Todos os intolerados buscando uma palavra, sua palavra.."
Pois é, existem muitos nadas espalhados por aí... Espero que esse quadro se reverta.
ResponderExcluirNada é um negro periférico indo pra Timothy Leary hoje.
ResponderExcluirQue belo texto! Inspira tantos sentimentos, revoltas e pensamentos...
ResponderExcluirO nada se tornou nossa melhor tradução...nada de verdadeiramente humano. É o vazio de sentido que demos a nossa existência, em que a vida de uns vale menos do que a vida de outros. Mundo estranho...