quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Notas sobre "Admirável Mundo Novo" - Aldous Huxley

"As flores do campo e as paisagens, advertiu, têm um grave defeito: são gratuitas. O amor à natureza não estimula a atividade de nenhuma fábrica. Decidiu-se que era preciso aboli-lo, pelo menos nas classes baixas; abolir o amor à natureza, mas não a tendência a consumir transporte. - Admirável Mundo Novo - Aldous Huxley"





Notas sobre "Admirável Mundo Novo"

O livro escrito em 1932, por Aldous Huxley, é surpreendente. Talvez nem o próprio autor soubesse o quão próxima nossa realidade se tornou (e continua caminhando de encontro) ao futuro fictício traçado.
Não queremos através deste texto narrar o seu conteúdo, mas sim tentar traçar um paralelo entre a obra de Huxley e algumas 'coincidências' hoje vivenciadas.
Pra quem leu, acrescente suas idéias, comente, pire. Pra quem não leu, #FikaDica!

Sobre a Hipnopedia:

Hipnopedia ou "sleep-learning" é uma suposta técnica de aprendizado baseada na assimilação de conteúdo durante o sono (através da reprodução de um gravador, por exemplo). Apenas em 1956 pesquisas mostraram que este método é ineficaz.
Huxley utiliza este método em sua ficção como uma forma de ensinar livre do risco do desenvolvimento da capacidade crítica. Memoriza-se e reproduz.
Traçamos um paralelo entre a hipnopedia e a forte influência midiática sobre "formação" (ou cópia) de opinião. É fato que o grande latifúndio informativo age por interesses (e sabemos bem quais são estes interesses) e que não raramente usam de distorção dos fatos pra manipular telespectadores e atrair seguidores. E como bem diz aquela famosa frase atribuída a Joseph Goebbels (aquele compadre do camarada de bigodinho engraçado... Não o Chaplin!!! O outro!!!): "Uma mentira repetida várias vezes torna-se uma verdade".
Como exemplo, vemos o recente caso dos "alunos baderneiros anarquistas maconheiros" da USP versus a "gloriosa Polícia Militar". A mídia tecla tanto em cima disso (deu pra notar de que lado ela está?) que muitos apenas reproduzem seu conteúdo, sem questionar, sem se aprofundar no assunto, sem muitas vezes saber do que está falando. (É importante não generalizar a palavra "mídia", por isso o uso da expressão "latifúndio informativo", sobre as grandes corporações que detêm o controle e o poder da transmissão da informação em larga escala).

Além disso, fazendo uma linkagem entre o latifúndio informativo e seus interesses (econômicos?) difundidos através das informações diárias (vide Jornal Nacional e Cia ltda), com a questão da omissão da verdade e transmissão de mentiras, nota-se que essa omissão não é necessariamente ruim, pois em troca temos conforto, felicidades (por mais superficiais que sejam) como bem descreve Huxley nesta frase: “(...)nesse ponto, as pessoas estavam dispostas a deixar controlar até os seus apetites. Qualquer sacrifício em troca de uma vida sossegada. Desde então, nós temos continuado a controlar. Isso não foi muito bom para a 'verdade', sem dúvida. Mas foi excelente para a ‘felicidade’.”
Conformismo?? Individulidade??


Como a Hipnopedia foi remodelada para os dias de hoje:

Se repararmos bem, a LUZ fascina a humanidade. Desde os tempos primórdios os humanos se reúnem em torno da fogueira, hoje, em torno da televisão (fonte de luz - substituição da fogueira). A televisão deixa as pessoas num estado letárgico. Elas estão acordadas, e por isso, a hipnopedia é possível, a absorção do ponto de vista externo é feito com a pessoa acordada, mas, passiva. Seria ingenuidade acreditar que os produtores por trás da televisão não conheçam este poder.

Também nota-se como, nas repetidas frases de hipnopedia, se fala sobre o trabalho. Como bem coloca Paul Lafargue em seu livro "Direito à Preguiça", que defende que o trabalho foi sacrosantificado (Em vez de ragir contra esta aberração mental, os padres, os economistas, os moralistas sacrossantificaram o trabalho). Mais uma coincidência?


Sobre a Divisão de Castas:

Na sociedade de Huxley todos são filhos de proveta, feitos para sua classe social. Hoje, não existe isso, mas, podemos observar uma "endogamia social" que gera um efeito - não tão determinista, mas, marcante - As escolas de ricos-classes médias - classes baixas não são as mesmas, os empregos não são os mesmos, os ambientes de lazer não são os mesmos. É quase uma regra que as pessoas se envolvam com outras de mesma classe social. Inclusive, relacionamentos que envolvam pessoas de classes sociais diferentes muitas vezes são mal vistos pelas famílias e amigos dos envolvidos. Quanto a separação de castas no ambiente de trabalho é feita a partir de uniformes. A ausência total de uniforme marca a elite, o branco a classe média e técnicos, as outras cores o operariado.

No livro, encontramos um exemplo que se assemelha com o relacionamento "inter-classe":
Nota-se a insatisfação da personagem de Bernard Marx com seu próprio corpo. Ele é um ALPHA, ou seja, um privilegiado, uma casta superior. Porém, seu físico não é de um ALPHA, ou seja, ele não se enquadra ao padrão de beleza de sua "espécie", e sofre por isso. Há quem diga que na sua criação, por engano, colocaram álcool em seu pseudo-sangue, algo não normal para um ALPHA, mas comum em outras castas. Será que ele é... MISCIGENADO?


Sobre a Questão Sexual:

Deixar a pessoa imatura, mais preocupada com "quem vai sair", com "onde vai se divertir" do que pensar na vida. A estabilidade emocional é perigosa. Criemos uma sociedade de depravados sexuais, cujas mentalidades sempre serão adolescentes. Outro paralelo com a realidade?

"Aí delícia, aí delicia, assim você me mata"

 Afinal, apesar da falsa sensação de liberdade, não é a população que escolhe seus gostos (a hipopedia televisiva o faz).


Sobre a SOMA:

Não dá pra não comparar a droga SOMA, comprimidos de fuga da realidade, de conformidade, com a Televisão.
Os comprimidos foram muito bem pensados, pra impedir que o pensamento crítico viesse à tona. Um pouco de "Fantástico, o show da vida", onde intercala-se uma notícia ruim, seguida de uma notícia boa pra anestesiar o choque da ruim... Que lógica fascinante!


Sobre o consumo:

Nota-se em nossa sociedade atual que o consumo é uma válvula de escape pra muitas decepções, frustrações, e as ditas ‘doenças da pós-modernidade’.  Assim como no pós 11 de Setembro, onde o então presidente estadunidense Bush aconselhou que as pessoas... consumissem (o que se poderia pensar após um ataque que mataria quase 3.000 pessoas se não sair e fazer compras?) Huxley já descrevia em seu livro: “Imaginem que tolice, permitir que as pessoas se dedicassem a jogos complicados que não contribuíam em nada para aumentar o consumo. Atualmente, os administradores não aprovam nenhum jogo novo, salvo se se demonstrar que ele necessita, pelo menos, de tantos acessórios quanto o mais complicado dos jogos existentes.”
Só me questiono se de fato toda essa produção tecnológica que nos mantém em constantes confortos e felicidades superficiais não cumprem um papel inverso, de aprisionamento. Vide como uma criança olha estagnada para um aparelho celular, e as brincadeiras de rua quase em extinção...
Mais uma dose (de soma) é claro que eu to afim...


Após a leitura do livro, cuja trama se desenvolve pela inserção de um "selvagem" nesta sociedade artificial, fica um vazio. Huxley te dá e te toma. Te dá muito o que pensar e te toma o sossego. Não precisamos concordar com seus pontos de vista sobre a sociedade para admirar Huxley, ele foi um visionário com maior poder de previsão que Nostradamus, mãe Diná e qualquer horóscopo, e a prova disso são os inúmeros paralelos que podemos traçar com a realidade (paralelos que não se resumem aos citados, ao contrário, vão muito além).

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Abaixo, uma pequena entrevista com o autor do livro.




Postagem resultado da colaboração de Natureza Artificial e Coletivo Krisis

Bah

Um comentário:

  1. Acabo de ler a obra. É realmente bastante interessante. Há tantos pontos para se pensar, que é difícil até começar. Vou me concentrar só no que mais me chamou a atenção: a questão da felicidade.
    O livro é um bom argumento para se discutir esse tema, pois, colocado como um ideal desse Admirável Mundo Novo, o futuro mostrará na ficção que eles atingiram materialmente essa felicidade total. Mas o problema que se coloca é: a que preço? Sacrificando no homem o que o torna humano: o sentimento. O preço da felicidade e da paz é tirar do homem sua humanidade, sua capacidade de sentir. A sociedade de Huxley é extremamente cartesiana, metódica, racionalista. Ora, as consequências só poderiam ser as descritas no livro... o homem se desconecta da vida material, dos sentimentos, da materialidade das relações, para viver num mundo ideal, frio, inumano... Não é sem motivo que o autor usa Shakespeare, pois esse último tem como tema de sua literatura nada mais que a vida em sua pulsação: as paixões.
    Dessa visão racionalista de mundo profetizada por Huxley, só poderia ter uma consequência política: o conservadorismo. Pois esse último exige que se tire do mundo suas contradições, seu movimento, sua cor. A ideia não admite contradições.

    Como já foi dito uma vez pelo poeta português: a consciência impossibilita a felicidade. O personagem John, o Selvagem, é consciente. Ele jamais poderá ser feliz. Porque ele possui a inquietação da consciência.... ele teme a morte, ele tem dúvidas. Ele pode ter momentos felizes, mas não felicidade.

    Muito menos felizes são os cidadãos do Huxley. Pois para acalmar/matar a inquietação da consciência, usam drogas e tecnologia para distração.

    Ou seja, para ser feliz, o ser tem que saber o que é felicidade. Se ele tem consciência da felicidade, ele já não é mais feliz, pois a consciência implica inquietação.

    O Homem de Hulxey não é um homem, é uma coisa. Um produto industrial, igualável ao chiclete ou uma colher. Dopado, um zumbi, qualquer coisa longe do homem...

    Numa sociedade assim, tão insustentavelmente leve como a de Huxley, somente um suicídio (como o do Selvagem John) colocaria peso na existência, ou seja, alguma validade.

    Parabéns pela análise de vocês, achei muito interessante os paralelos. E Bá, obrigado pela indicação. Adorei o livro.

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